2 de ago. de 2010

A Dona Maria



Retrato de Maria - Candido Portinari

Ali naquela viela mora dona Maria Zefa com seus cinco filhos. Ela trabalha como diarista de segunda a sábado. De segunda e quinta trabalha na casa de um bacana lá da Nova Campinas. De terça e sábado faz a faxina na casa de uma madame lá do Taquaral e de quarta e sexta na casa de duas irmãs metidas a classe média aqui dos Campos Eliseos.

Os dois filhos mais velhos são fruto do primeiro casamento de dona Maria Zefa. O cabra lhe tratava com indelicadeza, chegava em casa tinindo de bêbado e por qualquer coisa já lhe centava o tapa, até que dona Maria Zefa o colocou pra fora de casa. Deu lhe um banho de água fervendo que o danado saiu com as partes toda esfolada. Nunca mais deu as caras.

A menina do meio é fruto do relacionamento de dona Maria Zefa com um grande amor de sua vida, uma paixão esquecida. Ela estava sozinha, com dois filhos pra criar sozinha no mundo, quando reencontrou o seu Joaquim, um camarada formoso, trabalhador, que conhecera quando ainda estava no Mobral, mas na época ela tinha acabado de se casar, acabou escondendo pra si o sentimento que tivera por Joaquim. Ficaram juntos por três anos, período em que teve Ana, a filhinha do meio. Aqueles foram os anos mais felizes da vida de dona Maria Zefa, mas a viuvez lhe pegou, seu Joaquim veio a falecer de morte morrida. Deixando dona Maria Zefa com uma pensão de salário mínimo pra criar a filha.

Passaram cinco anos, dona Maria Zefa sentindo na pele a dureza da inflação, como se diz, vendendo o almoço pra comer a janta, quando aparece um outro cabra em sua vida, o José Pedro. Este sim a fez sofrer. De inicio ela num queria mais se apegar com homem nenhum, mas de tanto ele atormentar ela acabou cedendo e o levando pra dentro de casa. Teve com ele um casal, primeiro uma menina depois um menino. No início até que viveram bem, mas depois, o danado pegou a beber e começou a tratar dona Maria Zefa com mal querência. Não bastasse isso fazia diferença dos seus filhos com os três filhos mais velhos de Zefa. Mulher arretada ela, enfrentou a situação e varreu o viril de sua vida, decidida a seguir em frente, sozinha, com seus filhos. Fez uma jura que nunca mais ia se engraçar com homem nenhum.

Zefa cria seus cinco filhos, recebe apenas a pensão que o seu Joaquim lhe deixou. Se vira como pode para sustentar a gurizada. O danado do José Pedro além de num pagar a pensão alimentícia dos filhos, quando vai visitar enche a pança e saí rateando da comida que nunca está nos seu gosto. Qualquer dia Zefa acaba raiando com ele e o danado saí com uma quente e duas fervendo.

Quarqué dia desses eu comento um pouco mais com Vocêis as dificulidades que essa mulher num passa com seus filhos. Essas adolescências de hoje em dia...

Paulo Roberto dos Santos
Campinas, 03 de agosto de 2010 – 00h37

1 de ago. de 2010

A experiência de estar Conselheiro Tutelar


Sei que estou em dívida com os leitores deste espaço virtual. Ando meio enrolado com afazeres no Conselho e agora vivendo a dois, tendo de cuidar daquela que tanto me cuida, que me ouve, me acompanha e me apóia. Já disse por aqui em outro texto o quão intensa é a experiência de estar Conselheiro Tutelar. Peço desculpas aos caros leitores por deixá-los tanto tempo sem notícias por aqui. Mas também peço que entendam minha situação. Não posso dizer que seja uma fase ruim, pelo contrário, estou vivendo uma fase muito boa de minha vida, descobrindo a vida a dois, me encantando cada dia mais com a Adriana e não me tem sobrado tempo para escrever sobre a experiência de estar conselheiro tutelar. Vou escrever aqui um pouco dessa vivência.

A dinâmica de trabalho no Conselho é uma loucura, muitas pessoas passam por nossas vidas, e com cada uma delas tiramos um aprendizado. Algumas deixam conosco angustias, preocupações e estranhamentos. São muitas experiências vivenciadas, impossível partilhar todas elas aqui. Rumo ao que eu tinha me proposto, quando resolvi reativar este Blog, quero partilhar algumas situações que vivenciei no Conselho.

Logo que começamos a trabalhar atendi no Conselho uma família que me impressionou bastante. Tínhamos recebido uma denuncia anônima de que a mãe era negligente para com seus filhos. “Escassez de alimentos, higiene precária, etc” dizia o texto da denuncia. A mãe veio ao Conselho com todos os seus filhos. Ela tinha praticamente a minha idade (28 anos) e estava já gestando seu oitavo filho. Moravam todos sete filhos, a mãe e seu companheiro em uma casa de três cômodos e o banheiro.

Iniciamos o atendimento conversando primeiro com os seus três filhos mais novos. Um de dois anos, um de três e outro de quatro anos e meio. Diferença pouco maior de nove meses de um filho para o outro. Logo de início o filhinho mais novo, o menino de dois anos, verbalizou algumas palavras que confirmava a denuncia. Sentimos naquele primeiro momento certo receio por parte do irmão de quatro anos e meio com o que o irmãzinho estava dizendo. Observamos alguns olhares, um cutucar o outro, um cortar o que o outro estava dizendo, enfim, percebemos que tínhamos ali de fato uma situação de risco, com muitas evidências de violação dos direitos das crianças e adolescentes naquela família.

Em seguida conversamos com os filhos mais velhos daquela senhora, todos adolescentes. Com eles não identificamos nada de anormal. Mas ainda tínhamos ali uma situação muito suspeita. Apliquei as medidas de proteção que reza o Estatuto da Criança e Adolescente. Encaminhei relatório para a assistência social pedindo um acompanhamento estreito e sistemático daquela família. Enviei outro documento para o Centro de Saúde do bairro da família pedindo o agendamento de consultas para todas as crianças e um acompanhamento mais constante dos agentes de saúde para com aquela família. A mãe a todo momento se colocou como “coitada”, se esquivando de suas responsabilidades. Enfim, eu fiz tudo o que precisava fazer, convicto que estava fazendo a coisa certa e continuo acreditando nisso. Mas a vivência no Conselho por estes meses me fez refletir sobre situações como essa. Me lembro que apliquei uma advertência na mãe por ser negligente para com seus filhos, fui muito duro com ela, e acho que realmente que precisava ser. Mas hoje, vejo que mães como essa antes mesmo de ter seus filhos já eram vítima. Vítima do sistema, pessoa simples, que não teve a oportunidade de estudar, se profissionalizar, muito menos planejar sua vida, se casar, programar a vinda dos filhos, etc. Como exigir certas coisas dessa mãe se ela mesma não conhecia aquilo. Muitas vezes por traz de uma situação de negligencia ou até mesmo de maus tratos, temos uma questão cultural. E questões culturais não se mudam por meio de decreto-lei, muito menos com uma folha de papel, dizendo que fora advertida por isso e aquilo. A experiência me fez ver nesses meses que temos de olhar para a família não só para a circunstância colocada, mas sim para sua totalidade. Precisamos procurar conhecer e entender a sua história de vida, a dinâmica familiar, a forma como se relacionam, se estruturam, etc. É isso

Forte abraço e até logo

Paulo Roberto dos Santos

29/07/2010 – 00h40