9 de ago. de 2011

Campanha:

Depoimentos



Imagem: Candido Portinari

Na semana passada atendi uma família que me deixou bastante consternado com a situação vivida. A princípio o atendimento seria um entre tantos que recebemos de evasão escolar. Às vezes nem tão grave, apenas uma demonstração de que a escola não dá conta das suas tarefas, ou seja, não esgota seus recursos como prevê o ECA.

Como sempre fiz, desde que entrei no Conselho, iniciei o atendimento procurando primeiro entender a dinâmica familiar, antes mesmo de informar as razões pelos quais notificamos a família a comparecer no Conselho.

As pessoas quando são notificadas a comparecer no Conselho, no geral ficam apreensivas com nosso chamado. Algumas nervosas, revoltadas. Por isso procuro ser o mais tranqüilo possível, nada de postura autoritária, procuro fazer a pessoa se sentir a vontade. Acredito que com isso, tendo as pessoas desarmadas, consigo entender melhor a situação e agir com maior eficiência. Procuro trabalhar na lógica contrária ao que observo em muitos órgãos públicos, ou seja, partir sempre do pressuposto de que a família está errada. Nos atendimentos, inclusive os mais graves, parto sempre do pressuposto de que as pessoas atendidas são vítimas, foram de alguma forma injustiçadas pelo sistema, o que de maneira alguma justifica, eventualmente o erro cometido, mas nos permite entender melhor e por isso, agir de maneira mais correta. Explico sempre que necessário, não me cabe julgar, incriminar, investigar, não estou num órgão repressor, não sou autoridade policial, sou sim responsável pela proteção dos direitos da criança e do adolescente.

Numa folha de papel comecei a anotar, quantos moram na casa,quantos estudam, quantos trabalham, quantas crianças, adolescentes, etc. Neste breve levantamento conseguimos identificar uma porção de direitos violados e na maior parte o agente violador não é a família e sim o Estado.

- Quantos filhos tem o casal? Perguntei.
- Temos seis.

Respondeu o pai.

- Que seis nada, temos sete.
Retrucou a mãe.

Passamos a listar os filhos por ordem de idade. Eles mal sabiam a idade dos filhos. Quatro maiores de idade e três menores. Dos quatro filhos mais velhos, três se casaram (informalmente) e continuavam a morar com os pais, junto com seus/suas respectivos/as companheiros e filhos. Um já com dois filhos, uma gestante e um recém casado sem filhos. Entre filhos e netos eram cinco crianças no lar.
Passamos a perguntar pela renda da família, apenas o filho mais velho do casal, que ainda está solteiro, trabalhava formalmente. O pai faz bicos esporadicamente, o companheiro da filha que está gestante se encontra preso, o filho do meio também está preso, deixou uma companheira com dois filhos morando com os pais. Dos filhos mais novos (menores de idade), uma está evadida da escola, a outra vai bem, os pais não tem queixa sobre ela e a mais nova de todos está passando por acompanhamento com psiquiatra, tem leve comprometimento intelectual, está depressiva, já tentou o suicídio. E ela tem apenas dez anos.

Feito este levantamento da família explicamos o motivo pelo qual tínhamos notificado a família, ou seja, as elevadas faltas na escola e o baixo rendimento da filha mais nova, talvez o menor dos problemas na vida daquelas pessoas.

Perguntei como se mantinham. Se o salário do filho mais velho era o suficiente para o sustendo de todos. A mãe explica que complementavam com R$165,00 que recebiam do Bolsa Família, mas o benefício foi cortado por conta da evasão escolar da filha mais nova.

Perguntamos ao pai se fazia consumo de álcool a muito tempo, o cheiro já havia se exalado por toda a sala. Com lágrimas nos olhos ele disse que desde criança e nunca conseguiu deixar o vício. Lhe oferecemos ajuda e ele respondeu positivamente, com um sorriso no rosto, com olhos embaraçados, cheios de lágrimas, que nunca alguém lhe tinha oferecido ajuda antes. Só lhe imputavam a culpa por tanta desgraça numa família.

Pensei comigo, eu vou ser mais um na vida desse coitado a lhe massacrar, lhe humilhar, desprezar. Respondi pra mim mesmo que não! Não vou ser mais um! Fiz todos os encaminhamentos necessários,possíveis e inimagináveis. Dei um aperto de mão e desejei que fossem com Deus.

Paulo Roberto dos Santos
Campinas, 09 de Agosto de 2011

Palavras frias II

Notificamos a família a comparecer neste Conselho nesta data devido comunicado que recebemos da Escola Estadual Orlando Signorelli.

Genitora compareceu neste Conselho, acompanhada de seu filho, conforme tínhamos notificado. Iniciamos atendimento conversando com o adolescente sobre as razões por tantas faltas nas aulas e baixo rendimento escolar. Na seqüencia conversamos com a mãe sobre suas obrigações na escolarização do filho.

Por fim aplicamos advertência verbal, explicamos que a reincidência ensejaria em advertência por escrito e a reincidência pela terceira vez em representação na Justiça da Infância e Juventude. Os encaminhamos para a unidade escolar mediante termo de freqüência obrigatória.

...

Se a evasão escolar fosse tão fácil de se resolver assim...

Paulo Roberto dos Santos
Campinas, 09 de Agosto de 2011

Palavras frias I

A genitora compareceu neste Conselho procurando ajuda quanto a inclusão de seu filho na Cemei Dr. Manoel Alves Silva. A criança está cadastrada na lista de espera desde 10/10/2010 e não foi chamada até o presente momento. Está classificada na 93ª posição do AG1, sendo que chamaram até a 11ª colocada.

Criança vive com genitora e os avós maternos. Genitor não reconheceu paternidade e não paga pensão alimentícia. Genitora relata que trabalha como empregada doméstica, seus pais são doentes, portanto não podem cuidar da criança. A mesma não tem com quem deixar a criança e precisa trabalhar. Recebe cerca de R$ 600,00 por mês, está inserida no Bolsa Família, recebe R$ 65,00 por mês do programa. Criança é acompanhada pela Pastoral da Criança, pois está abaixo do peso. Renda familiar se complementa com a venda de material reciclável, cujo avô recolhe. Família também recebe cesta básica da igreja do bairro.

Ante o exposto, requisitamos vaga para a criança em tela e orientamos a genitora a procurar a Defensoria Pública, caso lhe negarem a vaga.

...

De tudo, a providência tomada, sobre a vaga em creche, atende a criança no menor dos problemas de sua vida já tão dura.

Paulo Roberto dos Santos
Campinas, 09 de Agosto de 2011

Os filhos de Maria Zefa


Imagem: Retrato de Maria, Candido Portinari, 1931

A guerreira Zefa tem cinco filhos: Douglas que está com 16 anos; Jeferson que tem 15 anos; Ana tem 13 anos; Carol com 6 e o mais novo Rian com 4 anos.

O pai de Douglas e Jeferson é Ribamar, ele nunca mais apareceu depois que Zefa o botou pra correr, deve de ta pulano por aí até hoje com as parte queimada. Os menino sente a falta do pai, mais Zefa nem tem como sabe dele pra pedir pensão, ele nunca deu o nome dele inteiro e não registrou os menino quando nascero.

Aninha, a filha do meio, perdeu o pai quando tinha quatro aninho, mal recorda do pai. Zefa sente a perda de Joaquim até hoje, com ele viveu os dias mais feliz de sua vida.

O casal mais novo, Carol e Rian é que tem contato com o pai, mais pra falar a verdade é melhor que num tivesse. O danado do José Pedro até hoje, mesmo sendo colocado pra fora de casa, é um estorvo na vida de Zefa, num paga pensão, quando aparece pra ver os fios é porque quer alguma coisa. Zefa, apesar de tudo o que já sofreu com o danado, com o coração bom que tem, acaba lhe ajudando, acreditando ainda que um dia ele mude de vida.

O mais velho Douglas agora tá começano a tomar juízo, tá querendo trabalhar, tem pego no pé do irmão Jeferson pra ajudar a mãe. Jeferson é mais malinoso, num sai da rua, vive atrás de pipa. Mas Douglas também já deu muito trabalho pra Zefa, chegou inclusive a se meter com coisa errada. Quanto mais Zefa lhe batia, mais ele aprontava, até que ela começo a conversar com Douglas, aconselhar e ele tem melhorado. Tá começano a entender que ele é o mais velho e precisa ajuda a mãe. Já o Jeferson é mais moleque, num deu conta ainda que tá virano home, que pipa, pião e burquinha é brincadeira de criança. Quando lhe convém quer ser adolescente, quando não, se diz criança. Vai entender a cabeça desses menino.

Já Aninha é mais ajuizada, leva os irmão mais novo pra escola todos os dias. Zefa saí pra trabalhar bem cedinho e o horário da escola num bate com os horário de Zefa. Aninha arruma os irmão, prepara as mochila e leva Carol na escola e Rian na creche. Ajuda a mãe nos afazeres de casa. É um brinco de menina, doce, carinhosa com a mãe e com os irmãos. Rian tá com um probleminha na fala, Zefa pego um encaminhamento no postinho de saúde pra passar com um fono.

Com todas as dificuldades, se percebe uma coisa, num falta da parte Maria Zefa é garra pra poder criar seus filhos.

Paulo Roberto dos Santos
Campinas, 09 de Agosto de 2011