1 de ago. de 2010

A experiência de estar Conselheiro Tutelar


Sei que estou em dívida com os leitores deste espaço virtual. Ando meio enrolado com afazeres no Conselho e agora vivendo a dois, tendo de cuidar daquela que tanto me cuida, que me ouve, me acompanha e me apóia. Já disse por aqui em outro texto o quão intensa é a experiência de estar Conselheiro Tutelar. Peço desculpas aos caros leitores por deixá-los tanto tempo sem notícias por aqui. Mas também peço que entendam minha situação. Não posso dizer que seja uma fase ruim, pelo contrário, estou vivendo uma fase muito boa de minha vida, descobrindo a vida a dois, me encantando cada dia mais com a Adriana e não me tem sobrado tempo para escrever sobre a experiência de estar conselheiro tutelar. Vou escrever aqui um pouco dessa vivência.

A dinâmica de trabalho no Conselho é uma loucura, muitas pessoas passam por nossas vidas, e com cada uma delas tiramos um aprendizado. Algumas deixam conosco angustias, preocupações e estranhamentos. São muitas experiências vivenciadas, impossível partilhar todas elas aqui. Rumo ao que eu tinha me proposto, quando resolvi reativar este Blog, quero partilhar algumas situações que vivenciei no Conselho.

Logo que começamos a trabalhar atendi no Conselho uma família que me impressionou bastante. Tínhamos recebido uma denuncia anônima de que a mãe era negligente para com seus filhos. “Escassez de alimentos, higiene precária, etc” dizia o texto da denuncia. A mãe veio ao Conselho com todos os seus filhos. Ela tinha praticamente a minha idade (28 anos) e estava já gestando seu oitavo filho. Moravam todos sete filhos, a mãe e seu companheiro em uma casa de três cômodos e o banheiro.

Iniciamos o atendimento conversando primeiro com os seus três filhos mais novos. Um de dois anos, um de três e outro de quatro anos e meio. Diferença pouco maior de nove meses de um filho para o outro. Logo de início o filhinho mais novo, o menino de dois anos, verbalizou algumas palavras que confirmava a denuncia. Sentimos naquele primeiro momento certo receio por parte do irmão de quatro anos e meio com o que o irmãzinho estava dizendo. Observamos alguns olhares, um cutucar o outro, um cortar o que o outro estava dizendo, enfim, percebemos que tínhamos ali de fato uma situação de risco, com muitas evidências de violação dos direitos das crianças e adolescentes naquela família.

Em seguida conversamos com os filhos mais velhos daquela senhora, todos adolescentes. Com eles não identificamos nada de anormal. Mas ainda tínhamos ali uma situação muito suspeita. Apliquei as medidas de proteção que reza o Estatuto da Criança e Adolescente. Encaminhei relatório para a assistência social pedindo um acompanhamento estreito e sistemático daquela família. Enviei outro documento para o Centro de Saúde do bairro da família pedindo o agendamento de consultas para todas as crianças e um acompanhamento mais constante dos agentes de saúde para com aquela família. A mãe a todo momento se colocou como “coitada”, se esquivando de suas responsabilidades. Enfim, eu fiz tudo o que precisava fazer, convicto que estava fazendo a coisa certa e continuo acreditando nisso. Mas a vivência no Conselho por estes meses me fez refletir sobre situações como essa. Me lembro que apliquei uma advertência na mãe por ser negligente para com seus filhos, fui muito duro com ela, e acho que realmente que precisava ser. Mas hoje, vejo que mães como essa antes mesmo de ter seus filhos já eram vítima. Vítima do sistema, pessoa simples, que não teve a oportunidade de estudar, se profissionalizar, muito menos planejar sua vida, se casar, programar a vinda dos filhos, etc. Como exigir certas coisas dessa mãe se ela mesma não conhecia aquilo. Muitas vezes por traz de uma situação de negligencia ou até mesmo de maus tratos, temos uma questão cultural. E questões culturais não se mudam por meio de decreto-lei, muito menos com uma folha de papel, dizendo que fora advertida por isso e aquilo. A experiência me fez ver nesses meses que temos de olhar para a família não só para a circunstância colocada, mas sim para sua totalidade. Precisamos procurar conhecer e entender a sua história de vida, a dinâmica familiar, a forma como se relacionam, se estruturam, etc. É isso

Forte abraço e até logo

Paulo Roberto dos Santos

29/07/2010 – 00h40

3 comentários:

Luciene disse...

De fato não é muito fácil conviver com experiências tão intensas. De fato é necessário encará-las como realmente são, como realmente foram gestadas.
Salve os lutadores do povo e os corajosos que metem o dedo na ferida. Força amigo!!

... disse...

Grande Paulinho,
importante que esteja registrando e compartilhando suas reflexões sobre o trabalho de Conselheiro Tutelar.
Saudades Amigo,
Grande Abraço,Taiguara

Anônimo disse...

Irmão

Fico feliz que vc esteja desempenhando este importante papel em Campinas.

Estamos Juntos,

Johny