8 de nov. de 2011

* Adolescente autor de ato infracional

Logo de manhã, iniciei o dia atendendo uma mãe, que me fez lembrar o período em que trabalhei na Obra Salesiana com adolescentes em liberdade assistida.

Bom dia! Desejei à senhora. E ela, esmorecida, respondeu será? Por favor senhora, me acompanhe, vamos conversar.

Na sala de atendimento, perguntei o que a trazia a este Conselho, no que eu poderia ajudar. A mãe, bastante fragilizada, disse que veio a procura de ajuda, pois já não sabia mais o que fazer com seu filho. Tirou de sua bolsa um calhamaço de papel, vários boletins de ocorrência envolvendo o adolescente. Um por conduzir veículo roubado, sem habilitação, outro por porte de arma de fogo, outro por tráfico de drogas e ainda um por assalto a mão armada. Entre os papéis havia uma intimação do Ministério Público para o adolescente, acompanhado de sua mãe, se apresentar em audiência com a Promotora.

A mãe tem três filhos, Bruno de 18 anos, o adolescente Douglas que está com 17 anos, sendo que completa maioridade em julho próximo e a caçula Ana Beatriz de 10 anos. Atualmente a mãe mora só com os filhos, se casou duas vezes, os dois mais velhos são filhos do primeiro marido e a caçula do segundo. Bruno trabalha, está concluindo o ensino médio, é freqüente e tem bom comportamento na escola. Ana Beatriz também está na escola, mãe não tem do que se queixar. Bruno está fora da escola a dois anos, parou na sexta série, não lê o esperado para sua idade e série, só copia de letra de forma, não sabe escrever sozinho. Quando estudava tinha muitas faltas, não respeitava os professores, não realizava as atividades escolares, não conseguia interagir com os colegas, tinha dificuldade para trabalhar em grupo. Douglas faz uso de maconha diariamente. A mãe trabalha o dia todo e não recebe ajuda dos pais de seus filhos. Perdeu o bolsa família por conta da evasão escolar de Douglas. Sua rede familiar é um tanto dispersa, não tem muito apoio sócio familiar. Frequenta um igreja evangélica no bairro onde mora, de onde vem o pouco apoio que tem.

Depois de ouvi-la longamente, passei a orientá-la sobre os procedimentos legais relacionados aos atos infracionais que seu filho tem cometido. Explicamos que não compete ao Conselho Tutelar julgar e aplicar as medidas sócio-educativas previstas no ECA. Falamos do nosso papel, como órgão de proteção e não punição. Comentamos que não podemos fazer aquilo que é papel do delegado de polícia e ou do Juiz de direito, neste caso, da Vara da Infância e Juventude. Desapontada, a mãe começou a chorar, procurei acalmá-la. Calma mãe! Ainda não terminei. Disse a ela.

Mais calma, passamos a conversar, procurando pensar juntos que atitudes tomar para ajudar seu filho. Falamos das medidas de proteção, previstas no art. 101 do ECA. Apontamos para a mãe a necessidade de entendermos seu filho, não o isentando de suas responsabilidades quanto a prática de ato infracional, mas também lembrando que ele, antes disso tudo, foi (e é) vítima do sistema cruel em que vivemos. Foi negligenciado sim por ela que é mãe, mas também por um Estado que lhe ofereceu (e não oferece) opções de lazer, cultura e esporte, de uma escola que não o entendeu, não conseguiu identificar (ou sanar) suas dificuldades na aprendizagem, etc. Enfim mostramos para a mãe que seria muito mais fácil resolver essa situação no início, mas que isso não a torna impossível. Mostramos pra ela seus erros na educação do filho e a mesma concordou. Não é fácil, aliás é muito difícil, o que não podemos é desistir. Mãe ficou de voltar a este Conselho, acompanhada de seu filho, ficou de tentar trazê-lo amigavelmente, pelo convencimento, para propormos algum tratamento de drogadição, seu retorno para a escola, etc.

Ao final do atendimento, mãe agradeceu por eu a ter ouvido e lhe entendido. Disse que todo mundo coloca a culpa em suas costas e não sabem o que ela está passando. Demonstrou estar bem mais aliviada.

O triste disso tudo é saber que o Estado irá se fazer presente na vida deste adolescente quando da medida de internação e ao sair de lá, pior estará, porque de sócio-educativa, ela não tem nada.

Paulo Roberto dos Santos - o Paulinho

Campinas, 08 de Novembro de 2011

* Por razões óbvias, o presente texto não é necessáriamente o relato do atendimento prestado. Ele traz na verdade a vivência, a experiência e as opiniões deste Conselheiro em forma de relato.

3 comentários:

Maycon Mazzaro disse...

Muito bem, Paulinho! Acredito que o Estado tem que arcar com suas responsabilidades na educação de nossos jovens. Fala-se muito em punições e castigos, mas ninguem se movimenta na intenção de construir uma sociedade que previna que esses jovens entrem no mundo do crime. Ao receber medidas socoeducativas, seja em meio aberto ou fechado, os jovens continuam desamparados de uma política pública coerente e efetiva.

Carlos disse...

Meu caro Paulinho:

Quando a Jô estava terminando seu segundo mandato junto ao Conselho Tulelar, ela simplesmente teve que contratar psicóloga para poder se recuperar. Não é ser forte ou fraco. É viver a sensibilidade que temos.
Veja o caso da mãe: dois maridos. Onde estão? Talvez fazendo filhos em outra mulher, também heróica como essta.
Como culpá-la?
E onde está a culpa?
Talvez por isso fiquemos parados: estamos sempre procurndo de quem é a culpa: do Estado, da Escola, do professor, da mãe, da sociedade... Creio que precisamos, mais que isso, procurar as soluções, buscar as mudanças estruturais que precisamos. Evidentemente, sem esperar que isso se dê no século XXII. Até lá, muitas mães mkorrerão de tristeza com seus filhos e muitos filhos, depois dos erros cometidos, irão jazer nos túmulos dos cemitérios dos amarais.
Bravo, amigo Paulinho. Abraço na Adriana.

Hernando Braga disse...

O Estado só vai estar presente na vida desse menino como uma 9 milimetro na mão, quando deveria trata-lo e educa-lo. Na maioria das vezes e deve ser esse o caso o problema é muito mais de saúde publica do que de segurança pública, mas nossas governantes são mais chegados em pagar um policial do que um médico ou um professor.