30 de mai. de 2012

A CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE PARA CONSELHEIROS TUTELARES


Com o advento do Estatuto da Criança e Adolescente em 1990 se inaugura uma nova concepção sobre infância e juventude. Essa concepção foi gestada durantes anos, até que aprovamos no Congresso Nacional o ECA, que logo em seguida foi sancionado pelo então Presidente da República, Fernando Collor de Melo. A concepção de criança e adolescente está alicerçada em princípios humanistas. Princípios que foram construídos por um movimento da sociedade em âmbito internacional. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, neste sentido, em 1989 já apontava esta concepção. Na Assembléia Constituinte em 1988, o Brasil adotou para si esta mesma concepção, fazendo constar em nossa Constituição artigos importantes sobre crianças e adolescentes. O ECA é, portanto, a lei que regulamenta estes artigos constitucionais. Com essa concepção nasce o Estatuto e este institui os Conselhos Tutelares para ser o guardião dos direitos ali constituídos. Conselheiro(a) Tutelar que não assumir para si essa concepção, presta um desserviço às crianças e adolescentes do município. Ele(a) está no lugar errado e com isso se coloca em uma grande contradição.

Antes disso, podemos destacar duas concepções sobre criança. Uma que tinha a criança como um adulto em miniatura e a outra que via como menor, inferior, incapaz. Nas duas encontramos falhas, a primeira tinha a criança como um ser incompleto, que não se provê. Por isso acreditavam quanto mais condicionassem as crianças a viverem com adultos, mais rápido deixariam de serem crianças e assumiriam suas “responsabilidades”. Já a segunda concepção não reconhecia a criança como pessoa integralmente e sim como objeto. O termo “menor” indicava a sua inferioridade por ser criança. Os pais tudo podiam e se chegassem a abandoná-los, o Estado lhes proveriam. Uma falhava por dar responsabilidades à criança maior do que poderiam suportar e a outra por não lhes reconhecer como seres humanos, sujeitos de direitos. O adulto em miniatura e o menor.

Neste sentido o ECA é um marco legal sobre criança e adolescente. Seu último artigo revoga o antigo Código de Menores. Ele inaugura a Doutrina da Proteção Integral e ao mesmo tempo encerra a Doutrina da Situação Irregular. No Estatuto está posto o Sistema de Garantia de Direitos – SGD, composto por Justiça da Infância e Juventude, Ministério Público, Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar. Anteriormente o Juiz de Menores tinha poder absoluto sobre as crianças e adolescentes que se encontrassem em “situação irregular”. Com o Estatuto esse poder é dividido, a sociedade conquista instrumentos de defesa e garantia dos direitos de todas crianças e adolescentes. Um deles são os Conselhos de Direitos – seja ele na esfera municipal, estadual ou federal – que tem o objetivo de acompanhar e controlar as ações desenvolvidas dentro da Política de Atendimento. O Conselho de Direitos é um órgão público, composto paritariamente por representantes do Poder Executivo e da Sociedade Civil. Ele delibera sobre a destinação dos recursos dos Fundos (municipal, estadual e nacional) da Criança e do Adolescente e sobre a implementação e execução de políticas públicas – em todas as áreas – voltadas para a criança e o adolescente. Outro instrumento importante para a defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente é o Conselho Tutelar, mas este tem caráter diferenciado do Conselho de Direitos. Um acompanha e controla a implementação e execução de políticas públicas – ainda que terceirizadas para ONG’s – voltadas para crianças e adolescentes no âmbito geral e o outro zela por seus direitos, quando ameaçados ou violados. Ao tomar conhecimento da situação, vai agir para interromper aquela situação de ameaça ou violação dos direitos preconizados pelo Estatuto. O Conselho Tutelar nasce com poderes, antes exclusivo do Juiz de Menores.

É importante que se diga: O Conselho Tutelar é um instrumento da sociedade para a defesa e garantia dos direitos de suas crianças e adolescestes! Não é um órgão de controle do Estado! Por isso é um órgão colegiado, autônomo, não jurisdicional e eleito pela comunidade. A autoridade constituída é o Conselho e não o conselheiro, suas deliberações devem ser tomadas por maioria de seus membros. O Conselho Tutelar é autônomo em relação aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não tem qualquer relação de subordinação para com esses poderes. Isso não quer dizer que o Conselho Tutelar tem plenos poderes para fazer o quiser e bem entender. Suas decisões podem sim serem revistas pela autoridade judiciária, se estiverem em desacordo com a legislação pertinente. O Conselho Tutelar não define guarda, valores de pensão alimentícia, termos de visita etc. Não realiza investigação, não julga ninguém, não é para isso que ele foi criado. Quando se diz no Estatuto que o Conselho é órgão “não jurisdicional” quer dizer exatamente que não cabe a ele as atribuições da autoridade jurisdicional. O Conselho Tutelar atende crianças e adolescentes, bem como suas famílias, identificando a ameaça ou violação de direitos aplica as medidas de proteção que for necessário, podendo para tanto, requisitar serviços públicos (saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho, segurança etc.) e representar à autoridade judiciária nos casos de descumprimento de suas deliberações. O Conselho Tutelar pode encaminhar para o Ministério Público fatos que constituam infração administrativa ou penal contra os direitos das crianças e adolescentes. Pode também expedir notificações, requisitar certidões de nascimento e óbito, entre outras possibilidades. De todas as suas atribuições, talvez a mais importante seja a de assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos das crianças e adolescentes, fornecendo os indicadores sociais de maior vulnerabilidade etc.

Quem entende do assunto, talvez possa pensar que estou chovendo no molhado. Mas não, digo tudo isso porque acredito que na prática o que acontece é exatamente aquilo que não deveria acontecer. Conselheiro Tutelar conduzindo adolescente para a Delegacia de Polícia após ter cometido ato infracional, conduzir para unidade de internação, realizando diligencias, investigações etc. Pode parecer absurdo, mas tudo isso acontece Brasil afora. O Conselho Tutelar acaba se tornando uma extensão do Poder Executivo ou Judiciário, agindo como se fosse órgão executor da política pública ou como se fossem agentes do Poder Judiciário (comissário de menores). O Conselho Tutelar é órgão de proteção, não nos cabe dar susto em ninguém, aplicar medidas sócio-educativas etc. Esse tipo de conduta desvirtua toda a ação conselheira, compromete o trabalho como um todo e pior reforça valores ideológicos dos menoristas. Conselheiro Tutelar deve pensar sua ação a partir dos princípios, dispositivos e atribuições fixadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e não pelo Código de Menores. A partir deste último pensariam os comissários de menores.

Campinas, 30 de Maio de 2012


Paulo Roberto dos Santos - Paulinho

Um comentário:

Luciene disse...

Isso aí Paulinho!!!
Texto esclarecedor...eu não conhecia o Conselho Tutelar deste ponto de vista. Obrigada pela contribuição, pela dedicação, pelo trabalho deenvolvido nestes anos, por partilhar conosco seus passos.